Dando continuidade e fechando com chave de ouro o tema acerca da supremacia brasileira na última década no surf mundial, entramos hoje no capítulo final, os anos entre 2015 e 2019, época mágica do surf brasuca.
2015 – O Ano Do Capitão
Adriano de Souza é um guerreiro, inegavelmente. Desde 2006 na elite mundial, Mineirinho sempre mostrou muita garra e vontade de vencer. Pessoas presentes nos eventos da ASP diziam ser ele sempre um dos primeiros a estar na praia pela manhã, treinando incansavelmente em qualquer condição de mar. Finalmente, em sua décima temporada no WCT, Adriano alcançou seu tão sonhado objetivo, o título mundial de surf profissional.
Batalha Com Mick Fanning
Mas não pense que foi fácil. Havia um tricampeão mundial buscando o quarto título, Mick Fanning. O australiano, sempre favorito, vendeu caro durante a temporada toda. Logo na segunda etapa do ano, um empate na final. A bateria derradeira em Bell’s Beach, entre Adriano e Mick foi alucinante. Ambos somaram 15,27 pontos em suas duas melhores ondas, entretanto Fanning tinha a nota mais alta da disputa e acabou levando.
Redenção No Oeste
A terceira etapa da temporada nas pesadas ondas de Margaret River, no Oeste Australiano. Adriano manteve performances consistentes durante todo o evento e chegou à final contra o favorito havaiano John John Florence. Claramente superior nas manobras de borda, sobretudo nas primeiras manobras das ondas, John surpreendentemente errava suas finalizações na complicada junção do Main Break. Desse modo, suas notas acabavam achatas. Em contrapartida, Mineiro completava suas ondas de forma agressiva e segura, sobre rasa bancada de pedra e arrancava notas excelentes dos juízes.
Com a vitória em Margaret River, o surfista do Guarujá somava um terceiro, um segundo e um primeiro lugares. Com isso, saía da perna australiana com boa liderança no ranking e a lycra amarela.
O Talento De Toledo
Havia outro brasileiro com fome de vitórias naquele ano. Filipe Toledo, o fenomenal surfista de Ubatuba começou 2015 com uma performance sem precedentes na Gold Coast australiana. Ele atropelou seus adversários, tirou nota dez na final e colocou o Brasil no alto do pódio na abertura daquele ano.
A quarta etapa foi realizada nas ondas da Barra da Tijuca, no Postinho. Mais uma vez Toledo foi soberano, aliás, ele destruiu as ondas em todas as fases. Com um show de surf moderno e veloz venceu mais uma, colocando fogo na briga pelo título da temporada.
Fanning Até o Fim
No decorrer daquele ano Mick Fanning e Mineirinho se mostraram mais consistentes que os demais. O australiano venceu novamente o brasileiro em uma disputa extremamente apertada na final do Hurley Pro em Trestles, na Califórnia. Dois meses antes ainda dividiu o segundo lugar com seu conterrâneo Julian Wilson em Jeffrey’s Bay. Certamente uma das finais mais marcantes da história, paralisada por conta do incidente com o tubarão envolvendo o tricampeão mundial.
Fechando Com Chave de Ouro
Ao final de 2015, antes da etapa derradeira no Havaí, o Brasil havia vencido cinco das dez etapas, três com Toledo (Gold Coast, Rio e Portugal), uma com Mineirinho (Margaret River) e outra com Medina (França). Chegando na última etapa, em Pipeline, Mick Fanning era o líder e brigava pelo quarto título mundial. Adriano de Souza vinha em segundo e precisava avançar uma bateria a mais que o australiano para levantar seu tão sonhado caneco.
Nem o mais otimista dos brasileiros poderia pensar em um desfecho tão perfeito. Na primeira semifinal o atual campeão do mundo Gabriel Medina derrotou Mick. Em condições horríveis, que nem de longe lembravam a lendária onda de Pipe e Backdoor, Gabriel arrancou a nota que precisava com o aéreo perfeito. Assim sendo, restava a Adriano vencer a segunda bateria das semis, contra o sempre perigoso local Mason Ho.
Mason é companheiro de equipe de Fanning e vendeu caro, entretanto o brilho e a garra do surfista do Guarujá falaram mais alto. Todos estes anos se dedicando e batalhando muito foram recompensados. Mineirinho era finalmente campeão mundial, do bairro pobre do litoral paulista para a glória máxima do surf. Para fechar com chave de ouro, ainda levou o mais cobiçado troféu do circuito, quando venceu Medina na final do Pipe Masters em um acontecimento histórico, dois brasileiros na final, assim como havia ocorrido na etapa anterior, em Peniche com Filipe Toledo e Ítalo Ferreira.
O Fenomenal John John Florence
Os dois anos seguintes foram dominados pelo fenomenal surfista havaiano John John Florence. Sempre uma promessa, ele finalmente achou sua veia competitiva e mostrou ao mundo que sim, é um cara diferenciado, comparado aos melhores de todos os tempos e capaz de rivalizar com a geração da Brazilian Storm.
Mesmo tendo sidos anos sem o título ao final da temporada, emplacamos mais seis vitórias no tour e alguns vice campeonatos. A performance de Filipe Toledo em J-bay foi algo inexplicável. Ele re-escreveu a forma de como surfar aquela onda. Velocidade impressionante, curvas enormes na borda e aéreos estratosféricos o levaram uma das vitórias mais acachapantes da história. No caminho Toledo colocou duas notas dez na bagagem e ainda destruiu adversários tidos como favoritos naquela onda, como Julian Wilson e Jordy Smith. Além disso, conseguimos classificar um recorde de onze atletas na elite para o ano de 2018, que prometia muito.
Recorde De Vitórias
O ano de 2018 começou com vitória do hiper talentoso australiano Julian Wilson, que mostrava ter acordado no tour, prometendo brigar pelo título mundial. De fato isso aconteceu, Julian chegou ao final da temporada completamente dentro do jogo.
O que ninguém imaginava era o que estava por vir. Das onze etapas naquele ano ganhamos nove, isso mesmo, nove. As outras duas ficaram com Wilson. Além da etapa de abertura ele ainda venceu o evento de Hossegor, o que o manteve quente na luta pelo caneco da WSL.
Além das vitórias em 2018, o que chamou muito a atenção foram as performances de nossos surfistas. Ítalo Ferreira em Bells Beach e Keramas foi simplesmente imbatível. De forma impressionante ele atacou as ondas de backside como não se via desde Mark Occhilupo, com um fator a mais, seus aéreos. O Potiguar ainda venceu pela terceira vez no ano, em Peniche. Inegavelmente o mundo naquele momento sabia que seria questão de tempo até ele se tornar campeão mundial.
Também tivemos a primeira vitória do experiente catarinense Willian Cardoso, nas perfeitas ondas de Uluwatu, na Indonésia. Willian batalhou por mais de 11 anos até entrar na elite, e quando o fez, mostrou ser merecedor disso. Com seu surf forte e preciso, destruiu as esquerdas de Bali até o alto do pódio, derrotando Julian Wilson na final.
Filipe Toledo foi um espetáculo à parte. Em 2018 venceu de forma incontestável novamente em Jeffrey’s Bay e Saquarema, no Rio de Janeiro. Chegou ao fim do ano com chances de título, mas precisava de boa campanha em Pipeline, o que infelizmente não ocorreu.
O bicampeonato mundial de Gabriel Medina iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Foi em 2018 que isso se confirmou, numa batalha longa, que só foi terminar na perfeitas ondas de Pipeline e Backdoor. A final contra o segundo colocado do ranking, Julian Wilson, era uma espécie de revanche daquela contestada de 2014. Medina foi à forra, não só ganhou o evento, como também o título mundial, o qual ele já havia garantido ao avançar para a final. Mais uma vez festa brasuca nas areias do North Shore e a confirmação de que Gabriel Medina está entre os melhores surfistas de todos os tempos.
Título Da Alegria
A recém finalizada temporada de 2019 foi marcante. Talvez a mais disputada dos últimos anos. Mais uma vez os brasileiros encabeçaram a briga, sendo três entre os cinco que disputavam o título mundial ao chegarmos na última etapa.
Entretanto, até lá muita água rolou. Foram dez etapas, com cinco vitórias brasucas e mais cinco vice campeonatos até a etapa derradeira. Performances alucinantes em todos os eventos, seja em ondas ruins como na vitória de Ítalo Ferreira na primeira etapa como em ondas clássicas como em Jeffrey’s Bay na vitória de Medina, a primeira de um goofy (que surfa com o pé direito na frente) desde 1984.
Igualmente, dominamos também a arte do surf na piscina de ondas do Surf Ranch, tendo campeão e vice por dois anos seguidos, quando Medina e Toledo ficaram em primeiro e segundo respectivamente.
Falando em Medina, parecia que estava destinado a ganhar seu terceiro título mundial após a lesão que afastou John Florence pelo restante da temporada. Gabriel vinha sólido desde a vitória na África do Sul. Talvez ele não contasse com um acontecimento inesperado. Gabriel teve uma interferência marcada contra ele na terceira fase do evento de Peniche, contra Caio Ibelli, o que acabou o tirando cedo do campeonato.
Fato é que isso abriu caminho para a aproximação de Ítalo. O surfista da Baía Formosa foi avançando com performances impressionantes e venceu o campeonato pela segunda vez seguida. Ele vinha de um vice na França e agora se tornava o novo líder com ranking, deixando Medina em segundo e acirrando a briga pelo caneco no Havaí.
O Pipe Masters Histórico
Quem um dia poderia imaginar que dois brasileiros estariam na final do Pipe Masters, com altas ondas, em uma disputa direta pelo título mundial? Pois foi exatamente isso que ocorreu.
Gabriel e Ítalo chegaram à final, mano a mano. Um ano inteiro de disputas resumidas em uma derradeira bateria. Quem levasse não só seria campeão do evento, mas também do ranking final. Era a bateria sonhada por todos os brasileiros, e ela aconteceu.
O final da história todos já sabem, Ítalo Ferreira foi o terceiro brasileiro campeão mundial da história. Merecidamente, diga-se de passagem. Talvez ele seja o único atleta que surfa na bateria da mesma forma como em uma sessão de freesurf. Ele se diverte demais fazendo o que ama. Se mostra sempre muito comprometido com a profissão, mas acima de tudo mostra alegria no que faz. Com seu estilo irreverente e alegre, venceu o campeão do povo!